Bem-vindos!





sábado, 8 de junho de 2013

Um conto e seus possíveis gêneros textuais


PÉ-NO-CHÃO
Monteiro Lobato

Fica no extremo da rua o Grupo Escolar, de modo que a meninada passa e repassa à frente da minha janela. Notei que muitas crianças sofriam dos pés, pois traziam um no chão e outro calçado. Perguntei a uma delas:
__ Que doença de pés é essa? Bicho arruinado?
O pequeno baixou a cabeça com acanhamento, depois confessou:
__ É inconomia.
Compreendi. Como nos grupos não se admitem crianças de pé no chão, inventaram as mães pobres aquela pia fraude. Um pé vai calçado, o outro, doente do imaginário mal crônico, vai descalço. Um par de botinas dura assim por dois. Quando o pé de botina em uso fica estragado, transfere-se a doença de um pé para outro, e o pé de botina de reserva entra em funções. Destarde, guardadas as conveniências, fica o dispêndio cortado pelo meio. Acata-se a lei e guarda-se o cobre.
Benditas sejam as mães engenhosas!

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

1) Reescrever a história do ponto de vista de um dos personagens.
2)  Simular um diálogo entre os alunos sobre a situação vivenciada.
3)  Criar um  relato do personagem carente do conto.
4) Escrever outro conto que mostre outros problemas  vivenciados em uma escola localizada em um  bairro de classe alta.
5)  Resumir  o texto.
6)  Descrever a escola de forma objetiva.
7) Imaginar  uma conversa entre os alunos e escrevê-la.
8)  Elaborar um documento que represente as normas escolares da referida escola.
9)  Elaborar um  abaixo-assinado no qual as mães protestam contra as normas escolares.
10) Elaborar uma entrevista com o diretor da escola.
11) Denunciar o fato através de uma notícia de jornal.
12) Apresentar argumentos a favor  e contra a rigidez das normas escolares através de um artigo de opinião.
13) Pesquisar no ECA os direitos da criança e do adolescente, comparar com a situação do conto e elaborar um texto  argumentativo indicando quais artigos foram desrespeitados.
14)Elaborar uma paródia do conto.
15) A partir do conto, enumerar alguns temas e desenvolver uma crônica argumentativa.
16)  Elaborar um bilhete do pai de um dos alunos para o diretor da escola fazendo uma reclamação sobre as normas escolares.
17) Elaborar uma carta do narrador para o diretor posicionando-se contra as normas escolares.
18) Elabore a resposta da carta do diretor para o narrador.
19)  Elaborar um texto poético  ou acróstico sobre o  conto.
20)  Transforme o conto num poema de cordel.
21) Elaborar um gibi com o enredo do conto.
22)  Elaborar uma tira ou  charge  que retome o tema do conto.
23) Criar uma propaganda sobre a escola.
24) Escrever como seria um discurso de um político sobre o fato.
25) Escrever como o jornalista Gil Gomes relataria esse fato em um programa de rádio.
26)Criar e ensaiar uma peça de teatro baseada nesse conto e apresentá-la na sala.
27) Produzir um filme a partir do  conto.
28)  Pesquisar sobre vida e obra de Monteiro Lobato e escrever uma biografia.
29)   Produzir uma resenha crítica sobre o conto.
30) A partir do conto, enumerar alguns temas para um debate em sala de aula.
31) Elaborar um Email  para o autor do conto (Monteiro Lobato), opinando sobre a obra.
32) Criar um blog com fórum e debater o tema do conto.
33) Divulgar o fato do conto em redes sociais com  postagens verbais e não verbais (Facebook) e em comunidade(Orkut) e observar a reação das pessoas.   

Obs. Essa atividade foi elaborada por mim há vários anos, embora nessa útlima versão eu tenha feito algumas alterações acrescentando mais itens. Entretanto aparece em vários blogs porque eu passei para várias amigas nos cursos em que fizemos e elas postaram.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

terça-feira, 4 de junho de 2013

DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE: 05/06


ESTAR CONSCIENTE!!
O planeta está doente
A cada dia mais quente
Precisa de cuidados, urgente!
Vamos cuidar da semente
Pois nosso meio ambiente
Deixou de ser sorridente
E tornou-se um ser carente
Em meio a tanta gente
Que finge estar contente
Mas, na verdade, mente
Sofre e disfarça o que sente.
Isso não é nada inteligente!   

Zizi

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A seguir as produções dos alunos do 7º ano  sobre o 
meio ambiente,  em forma de cordel:

O planeta está esquentando,
Cada vez m ais está desmatando
Ele está quase acabando
Não adianta ficar chorando.
Nós estamos enfrentando
O nosso mundo está acabando
E o nosso mundo não está andando
E está apenas chorando.
O nosso planeta  parou de ficar descansando
E agora está elaborando
O nosso mundo está morrendo!
Iago  e Lucas Mendes, 7 ano C


O PLANETA ESTÁ ACABANDO
O planeta está chorando,
Com todos o maltratando,
Ao invés de estar ajudando,
Todos  estão só atrapalhando.
As árvores, as pessoas estão derrubando
E o planeta mal está ficando. 
Weslley e Marcos. 7 ano C


A AÇÃO DO SER HUMANO
O planeta está acabando,
A culpa é do ser humano,
Isso só está nos prejudicando.
Nosso planeta está chorando,
Se pudesse ele estaria gritando,
Pois o estamos matando.
Nós poderíamos estar reciclando
Mas estamos só desmatando.
Bruna e Gabriela, 7º ano C



CUIDADO COM O MEIO AMBIENTE 
O meio ambiente é especial,
Pena que tratamos ele mal
Temos que plantar vegetal,
Cuidar do animal,
Não acabar com o vegetal,
Porque isso tudo  é legal. 
Matheus e Gustavo, 7º ano C



A TERRA
A terra está mudando
E o tempo está passando
As pessoas estão crescendo
e fazer um mundo melhor vão aprendendo
e as coisas estão evoluindo.


Victória e Keith, 7º ano C

ESTAR CONSCIENTE 
Cuidar do nosso planeta ,
nós todos somos irmãos
Cuidar muito bem, cuidar com o coração
Vamos acabar com o esgoto
e ajudar a população
Vamos cuidar de todo mundo:
da Mariazinha  e do João
Vamos reciclar papel e jogar no latão
Todos ficam felizes e acaba essa poluição.

Lucas Martins e Gabriel Freire , 7 º ano  C


DIA MUNDIAL 
Nesse dia mundial
Vamos deixar esse mundo legal
Para evitar o grande mal
Ajudar a floresta ambiental
E deixar nosso mundo sensacional.
Mathias e Willian, 7 ano C


MEIO AMBIETE
O meio ambiente está muito mal
Além do aquecimento global
sofre com a extinção de animal
A terra precisa de um carinho especial.
Devemos uidar do mundo ambiental. 

João Vítor e Paulo Roberto, 7 ano C

ESPERAMOS UM MUNDO MELHOR
ESPERAMOS UM MUNDO MELHOR
As pessoas não andam contentes
Pois o mundo anda doente
O planeta pede socorro
Pois ainda ele é o nosso ouro
Os nossos animais
Estão em extinção
Socorro, ajude  a gente!
O nosso planeta está doente
A cada dia mais carente
Ajude o meu e o seu ambiente
Valorize enquanto ele está com a gente
Pense em quantos animais estão morrendo
Porque o mundo está muito quente. 
Débora, 7 º ano C





Meio ambiente
Vamos plantar árvores com alegria
E com muita harmonia
Preservar o mundo noite e dia
Vamos tornar esse mundo uma magia
E com muita simpatia
O mundo sempre sofria
Hoje o mundo é uma fantasia
Felipe, Samuel R. e Gabriel, 7 ano D

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A NATUREZA
A enorme natureza
Tem muitas árvores e grandes riquezas.
Na natureza tem muitas plantas
Que até encanta,
Mas a natureza tem muitas urgências
 E sofre com as emergências
Como o desmatamento e a poluição
Por isso devemos cuidar de coração.
Igor  e Nathan, 7 ano D
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MEIO  AMBIENTE
Meio ambiente vamos preservar
Para podermos passear
E viajar para nadar no mar
Vamos lutar
Para não estragar
O que ele nos dá.
Vamos cantar
Para alegrar
E clarear
O nosso imenso mar.  
Yasmim e Sabrina, 7 ano D

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O MEIO AMBIENTE E A ECOLOGIA
O planeta quente ficaria
As pessoas ajudaram com alegria
O planeta ficou feliz
Deram um presente e ele diz:
Obrigado, e deu um beijo no meu nariz!
Francisco e Kevin, 7 ano D

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NATUREZA
A natureza
Tem muita beleza
Mas está cheia de tristeza
O que podemos fazer para ajudar a natureza?
Tirar o lixo, é uma beleza!
Temos que fazer uma limpeza
Para ficar uma pureza
Sem tristeza.
Gabrielle Oliveira e Jennifer, 7 ano D

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A NATUREZA
A natureza é tão bela
Igual a flores amarelas,
No país tem primavera,
Outono, inverno e verão
Passando pelo Ibirapuera
Passando por uma floresta
A paz na natureza
É linda de montão!
Daniel e Matheus B, 7 ano D

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CONSERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Devemos conservar o meio ambiente
Pois um dia ele acabará.
Cada dia ele fica mais carente.
Onde iremos morar?
Se um dia o planeta não suportar
Não teremos o que fazer,
A terra tem ser lugar
Bom de se morar.
Gabrielle Caroline. e Luana, 7 ano D

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MEIO AMBIENTE/ ECOLOGIA
Meio ambiente vamos adorar
Para que nele possamos viajar,
Passar e nadar.
Lutar é conquistar
A terra vamos ajudar
A ele devemos amar.
Gabriele Cerqueira. e Jaqueline, 7 ano D
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MEIO AMBIENTE
O planeta precisa de ar
E nós vamos ajudar
Vamos limpar!
Para sua vida melhorar.
O planeta temos que cuidar
Não desmatar e economizar.
Vamos trabalhar!
E assim uma beleza vai ficar!
Ana  Carolina e Tainá, 7 ano D
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ATENÇÃO!
O planeta está doente de montão,
Precisando de colaboração.
Vamos ajudar nosso planeta, então?
Primeiro paramos com a poluição,
Depois paramos com a destruição.
Não se esqueça que ele precisa de preservação,
Depois, todos nós ficaremos felizes então!  
Augusto e Samuel Lucas, 7º ano D



domingo, 2 de junho de 2013

A Terceira Margem do Rio

INTERTEXTUALIDADE:  música do Caetano Veloso , conto do Guimarães Rosa e conto do Mia Couto


A Terceira Margem do Rio
Oco de pau que diz:
Eu sou madeira, beira
Boa, dá vau, triztriz
Risca certeira
Meio a meio o rio ri
Silencioso, sério
Nosso pai não diz, diz:
Risca terceira

Água da palavra
Água calada, pura
Água da palavra
Água de rosa dura
Proa da palavra
Duro silêncio, nosso pai

Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai

Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio riu, ri
O que ninguém jamais olvida
Ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas

Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai

Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai

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A TERCEIRA MARGEM DO RIO  (Guimarães Rosa)
Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescaria e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.
Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — “Cê vai, ocê fique, você nunca volte!” Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — “Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?” Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a benção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.
Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.
Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s’embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.
No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.
Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão daquele.
A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele aguentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto do esbarro. E nunca falou mais palavras, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.
Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma contida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça pra ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.
Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — “Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim...”, o que não era o certo, exato, mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.
Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão do seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-quedisseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada, mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.
Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranquilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando ideia.
Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado tive que reforçar a voz: — “Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor, vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor na canoa!...” E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.
Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n’água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.
Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.
ROSA, João Guimarães. “A terceira margem do rio”. In: Primeiras estórias. 15 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001
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Nas águas do tempo
Mia Couto
Meu avô, nesses dias, me levava rio abaixo, enfilado em seu pequeno concho. Ele remava, devagaroso, somente raspando o remo na correnteza. O barquito cabecinhava, onda cá, onda lá, parecendo ir mais sozinho que um tronco desabandonado.
- Mas vocês vão aonde?
Era a aflição de minha mãe. O velho sorria. Os dentes, nele, eram um artigo indefinido. Vovô era dos que se calam por saber e conversam mesmo sem nada falarem.
- Voltamos antes de um agorinha, respondia.
Nem eu sabia o que ele perseguia. Peixe não era. Porque a rede ficava amolecendo o assento. Garantido era que, chegada a incerta hora, o dia já crepusculando, ele me segurava a mão e me puxava para a margem. A maneira como me apertava era a de um cego desbengalado. No entanto, era ele quem me conduzia, um passo à frente de mim. Eu me admirava da sua magreza direita, todo ele musculíneo. O avô era um homem em flagrante infância, sempre arrebatado pela novidade de viver.
Entrávamos no barquinho, nossos pés pareciam bater na barriga de um tambor. A canoa solavanqueava, ensonada. Antes de partir, o velho se debruçava sobre um dos lados e recolhia uma aguinha com sua mão em concha, E eu lhe imitava.
- Sempre em favor da água, nunca esqueça!
Era sua advertência. Tirar água no sentido contrário ao da corrente pode trazer desgraça. Não se pode contrariar os espíritos que fluem.
Depois viajávamos até ao grande lago onde nosso pequeno rio desaguava. Aquele era o lugar das interditas criaturas. Tudo o que ali se exibia, afinal, se inventava de existir. Pois, naquele lugar se perdia a fronteira entre água e terra. Aquelas inquietas calmarias, sobre as águas nenufarfalhudas, nós éramos os únicos que preponderávamos. Nosso barquito ficava ali, quieto, sonecando no suave embalo. O avô, calado, espiava as longínquas margens.
Tudo em volta mergulhava em cacimbações, sombras feitas da própria luz, fosse ali a manhã eternamente ensonada. Ficávamos assim, como em reza, tão quietos que parecia-mos perfeitos.
De repente, meu avô se erguia no concho. Com o balanço quase o barco nos deitava fora. O velho, excitado, acenava. Tirava seu pano vermelho e agitava-o com decisão. A quem acenava ele? Talvez era a ninguém. Nunca, nem por pinte, vislumbrei por ali alma deste ou de outro mundo. Mas o avô acenava seu pano.
- Você não vê lá, na margem? por trás do cacimbo?
Eu não via. Mas ele insistia, desabotoando os nervos.
- Não é lá. É lááá. Não vê o pano branco, a dançar-se?
Para mim havia era a completa neblina e os receáveis aléns, onde o horizonte se perde.
Meu velho, depois, perdia a miragem e se recolhia, encolhido no seu silêncio. E regressávamos, viajando sem companhia de palavra.
Em casa, minha mãe nos recebia com azedura. E muito me proibia, nos próximos futuros. Não queria que fôssemos para o lago, temia as ameaças que ali moravam. Primeiro, se zangava com o avô, desconfiando dos seus não-propósitos. Mas depois, já amolecida pela nossa chegada, ela ensaiava a brincadeira:
- Ao menos vissem o namwetxo moha! Ainda ganhávamos vantagem de uma boa sorte…
O namwetxo moha era o fantasma que surgia à noite, feito só de metades: um olho, uma perna, um braço. Nós éramos miúdos e saíamos, aventurosos, procurando o moha. Mas nunca nos foi visto tal monstro. Meu avô nos apoucava. Dizia ele que, ainda em juventude, se tinha entrevisto com o tal semifulano. Invenção dele, avisava minha mãe. Mas a nós, miudagens, nem nos passava desejo de duvidar.
Certa vez, no lago proibido, eu e vovô aguardávamos o habitual surgimento dos ditos panos. Estávamos na margem onde os verdes se encaniçam, aflautinados. Dizem: o primeiro homem nasceu de uma dessas canas. O primeiro homem? Para mim não podia haver homem mais antigo que meu avô. Acontece que, dessa vez, me apeteceu espreitar os pântanos. Queria subir à margem, colocar pé em terra não-firme.
- Nunca! Nunca faça isso!
O ar dele era de maiores gravidades. Eu jamais assistira a um semblante tão bravio em meu velho. Desculpei-me: que estava descendo do barco mas era só um pedacito de tempo. Mas ele ripostou:
- Neste lugar não há pedacitos. Todo o tempo, a partir daqui, são eternidades.
Eu tinha um pé meio-fora do barco, procurando o fundo lodoso da margem. Decidi me equilibrar, busquei chão para assentar o pé. Sucedeu-me então que não encontrei nenhum fundo, minha perna descia engolida pelo abismo. O velho acorreu-me e me puxou. Mas a força que me sugava era maior que o nosso esforço. Com a agitação, o barco virou e fomos dar com as costas posteriores na água. Ficámos assim, lutando dentro do lago, agarrados às abas da canoa. De repente, meu avô retirou o seu pano do barco e começou a agitá-lo sobre a cabeça.
- Cumprimenta também, você!
Olhei a margem e não vi ninguém. Mas obedeci ao avô, acenando sem convicções. Então, deu-se o espantável: subitamente, deixámos de ser puxados para o fundo. O remoinho que nos abismava se desfez em imediata calmaria. Voltámos ao barco e respirámos os alívios gerais. Em silêncio, dividimos o trabalho do regresso. Ao amarrar o barco, o velho me pediu:
- Não conte nada o que se passou. Nem a ninguém, ouviu?
Nessa noite, ele me explicou suas escondidas razões. Meus ouvidos se arregalavam para lhe decifrar a voz rouca. Nem tudo entendi. No mais ou menos, ele falou assim: nós temos olhos que se abrem para dentro, esses que usamos para ver os sonhos. O que acontece, meu filho, é que quase todos estão cegos, deixaram de ver esses outros que nos visitam. Os outros? Sim, esses que nos acenam da outra margem. E assim lhes causamos uma total tristeza. Eu levo-lhe lá nos pântanos para que você aprenda a ver. Não posso ser o último a ser visitado pelos panos.
- Me entende?
Menti que sim. Na tarde seguinte, o avô me levou uma vez mais ao lago. Chegados à beira do poente ele ficou a espreitar. Mas o tempo passou em desabitual demora. O avô se inquietava, erguido na proa do barco, palma da mão apurando as vistas. Do outro lado, havia menos que ninguém. Desta vez, bem o avô não via mais que a enevoada solidão dos pântanos. De súbito, ele interrompeu o nada:
- Fique aqui!
E saltou para a margem, me roubando o peito no susto. O avô pisava os interditos territórios? Sim, frente ao meu espanto, ele seguia em passo sabido. A canoa ficou balançando, em desequilibrismo com meu peso ímpar. Presenciei o velho a alonjar-se com a discrição de uma nuvem. Até que, entre a neblina, ele se declinou em sonho, na margem da miragem. Fiquei ali, com muito espanto, tremendo de um frio arrepioso. Me recordo de ver uma garça de enorme brancura atravessar o céu. Parecia uma seta trespassando os flancos da tarde, fazendo sangrar todo o firmamento. Foi então que deparei na margem, do outro lado do mundo, o pano branco. Pela primeira vez, eu coincidia com meu avô na visão do pano. Enquanto ainda me duvidava foi surgindo, mesmo ao lado da aparição, o aceno do pano vermelho do meu avô. Fiquei indeciso, barafundido. Então, lentamente, tirei a camisa e agitei-a nos ares. E vi: o vermelho do pano dele se branqueando, em desmaio de cor. Meus olhos se neblinaram até que se poentaram as visões.
Enquanto remava um demorado regresso, me vinham à lembrança as velhas palavras de meu velho avô: a água e o tempo são irmãos gémeos, nascidos do mesmo ventre. E eu acabava de descobrir em mim um rio que não haveria nunca de morrer. A esse rio volto agora a conduzir meu filho, lhe ensinando vislumbrar os brancos panos da outra margem.